Algumas pessoas me enviaram email dizendo que falo muito sobre o Velho
Testamento e que “O Velho Testamento ficou para trás”,
existindo, agora, o Novo Testamento. Este argumento está diretamente ligado à
tentativa de abafar os graves problemas contidos nas escritas sagradas, uma
desesperada tentativa de limpar a história da Bíblia, na qual no meu modo de
ver não existe problema.
Com a fala destas pessoas, parece que o
Novo Testamento foi escrito ontem. Estas pessoas, como qualquer religioso,
deveriam saber que a história do Novo Testamento começou muito tempo antes do
nascimento de Jesus. Portanto, só podemos entender muitas passagens narradas no
Novo Testamento quando conhecemos esta longa história que se encontra no Velho
Testamento. Esta longa história começa com a criação do
mundo, no Gênesis, incluindo a lenda de Adão e Eva, que iniciou a história da
redenção humana, terminando na vida, morte e ressurreição de Jesus.
Para simplificar, os
livros sagrados podem
ser divididos em duas partes: Antigo e Novo Testamento montando uma única peça.
A primeira parte conta a criação do mundo, a história,
as tradições judaicas, as leis, a vida dos profetas e a vinda do Messias. No
Novo Testamento, escrito após a morte de Jesus, fala sobre a vida do
Messias, principalmente. Portanto, única história. O Velho está tão
entrelaçado com o Novo Testamento que existem neste 1.040 citações do Velho
Testamento.
Querer retirar partes conflitantes da
Bíblia e dizer que são velhas e purificar apenas o que interessa, escondendo
“calos”, é vergonhoso. É não se curvar ao óbvio e se esconder dentro das
muralhas dos dogmas. É bom dar mais uma lida no meu artigo (Quem escreveu a Bíblia?) e notar que as intenções
que geraram todas as mudanças nas escrituras não são atuais e, infelizmente,
deixaram descendentes, pobres coitados como se tivessem “anteolhos da cabeçada” de um cavalo.
A vergonha de alguns cristãos radicais
sobre a forma que foi escrito o Velho Testamento é, no mínimo, ridícula e
discriminatória, porque os cinco primeiros livros do Velho Testamento, o Pentateuco, é o
livro sagrado dos Judeus, denominado de torah, termo hebraico que, apesar de
ter sido traduzido de forma habitual por "lei", na realidade, tem um
significado mais amplo. Torah, de fato, inclui os conceitos de "lei"
e, até com maior propriedade, os de "guiar", "dirigir",
"instruir" ou "ensinar".
Os cinco livros que montam o Pentateuco são: Gênesis, o primeiro livro da Bíblia. Narra acontecimentos, desde a criação do mundo, passando pelos patriarcas hebreus, até à fixação deste povo no Egipto, depois da história de José. Êxodo é o livro que conta a história da saída do povo de Israel do Egito, onde foram escravos durante 400 anos. Levítico é um livro teocrático, isto é, tem caráter legislativo; apresenta em seu texto o ritual dos sacrifícios, as normas que diferenciam o puro do impuro, a lei da santidade e o calendário religioso entre outras normas e legislações que regulariam a religião. Números é de interesse histórico, pois fornece detalhes acerca da rota dos israelitas no deserto e de seus principais acampamentos. Deuteronômio contém os discursos de Moisés ao povo, no deserto, durante seu êxodo do Egito à Terra Prometida por Deus.
Este maravilhoso acervo histórico que compõem os livros sagrados não podem ser renegados e jogados no lixo. Já fizemos isto várias vezes e, consequentemente, partes importantes da nossa história se perderam devido aos interesses de alguns oportunistas. No Velho Testamento existe, realmente, um Deus “do mal”, mas as cicatrizes deixadas nas escrituras servem de alerta e de ensinamento. Não se pode retirar os crimes da ficha de um assassino e o torná-lo bonzinho, simplesmente, para facilitar a convivência com ele.
A Bìblia é, no meu modo de ver, um dos mais importantes livros já escritos. Mas o seu conteúdo ainda não acabou. Lendo o trabalho de Robert G. Ingersoll (The Secular Web), encontrei este texto que se encaixa perfeitamente nos textos que escrevo. Fazendo dele minhas palavras:
“Por milhares de anos o homem vem escrevendo a
verdadeira Bíblia – está sendo escrita dia a dia, e nunca será terminada
enquanto o homem tiver vida. Todos os fatos que conhecemos – os eventos
verdadeiramente ocorridos; todas as descobertas e invenções; todas as
maravilhosas máquinas cujas engrenagens parecem ter vida própria; todos os poemas;
todas as jóias do intelecto; todas as flores do coração; todas as canções de
amor – as tristes e as alegres; os grandes dramas da imaginação; as admiráveis
pinturas – verdadeiros milagres da forma e da cor, da luz e da sombra; as
maravilhosas esculturas que parecem respirar; os segredos
contados pelas rochas e pelas estrelas, pelo pó e pelas flores, pela chuva e
pela neve, pelo frio e pelo fogo, pelas correntes de ar e pela areia do
deserto, pela altura das montanhas e pelas ondas do mar. Toda a sabedoria que
prolonga e enobrece a vida, que previne e cura doenças, que conquista a dor;
todas as leis perfeitas e justas que guiam e modelam nossas vidas; todos os
pensamentos que alimentam as chamas do amor; a música que transfigura, arrebata
e enfeitiça; as vitórias do coração e da mente; os milagres que mãos
construíram; as sábias e hábeis mãos daqueles que trabalharam por suas esposas
e filhos; as histórias sobre feitos nobres, sobre homens bravos e produtivos,
sobre o amor de esposas leais, sobre o amor incondicional das mães, sobre os
conflitos em nome da justiça, sobre os sacrifícios em nome da verdade, sobre
tudo de melhor que os homens e mulheres do mundo disseram, pensaram e fizeram
através dos anos. Estes tesouros do coração e do intelecto são as verdadeiras
Sagradas Escrituras da raça humana.”
Edson Perrone
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